No dia 15 de agosto, um apagão de grandes proporções atingiu 25 estados brasileiros e o Distrito Federal, causando interrupções generalizadas no fornecimento de energia elétrica. Apenas o estado de Roraima, que não faz parte do Sistema Interligado Nacional (SIN), permaneceu imune ao evento.

Segundo dados oficiais do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), uma queda na carga e na geração de energia entre 8h30 e 8h44 resultou em uma situação de apagão que levou cerca de seis horas para ser completamente normalizada.

Para entender os desdobramentos deste apagão, precisamos, primeiramente, saber que o SIN, que é o modelo de gerenciamento e transmissão de energia adotado no Brasil, visa interligar diferentes regiões do país para permitir a troca de energia entre elas. Isso é particularmente importante devido à diversidade climática do Brasil, permitindo, por exemplo, que regiões com excedentes energéticos auxiliem aquelas que enfrentam déficits temporários. No entanto, a conexão interligada também pode ser um ponto de vulnerabilidade, pois um problema em uma área pode se propagar para outras regiões, como ocorreu nesse apagão de agosto - iniciado no estado do Ceará.

Impactos do Apagão

A interrupção do fornecimento de energia teve um impacto significativo em diversas áreas da sociedade brasileira. Linhas de metrô foram afetadas, semáforos apagados causaram congestionamentos, comércios sofreram prejuízos, com o varejo tendo queda de quase 5% no faturamento, e data centers tiveram que acionar seus sistemas de backup power. No último caso, vale ressaltar que a confiabilidade do fornecimento de energia é imprescindível, já que estas infraestruturas de missão critica dão suporte a muitas outras atividades vitais do cotidiano, incluindo sistemas de saúde e bancários.

Não é novidade, data centers dependem de uma fonte constante de energia para manter seus servidores e sistemas operando sem pausas, 24x7. Interrupções no fornecimento de energia não só podem resultar em tempo de inatividade, como também em perda de dados e prejuízos financeiros significativos para empresas e provedores de serviços. Portanto, a disponibilidade de sistemas de backup power, como geradores e baterias, é crucial para garantir que esses centros possam continuar funcionando mesmo durante apagões e falhas na rede elétrica.

Nesse sentido, o apagão no Brasil evidencia a necessidade de implementar sistemas de energia de reserva eficazes, a fim de minimizar os riscos associados a interrupções no fornecimento da rede elétrica. Confiar exclusivamente na rede nacional de energia é um risco e pode deixar os data centers vulneráveis a eventos imprevistos, como falhas técnicas, sobrecargas ou outros problemas que possam afetar drasticamente o sistema elétrico das operações.

HostDime 1.png
– HostDime

Para compreender melhor como o recente apagão afetou as operações no Brasil, entramos em contato com os principais operadores do país e, felizmente, as respostas foram alentadoras: os sistemas de energia de reserva cumpriram seu propósito sem maiores dificuldades.

John Brito, responsável por toda a infraestrutura elétrica da HostDime no Brasil, informou que o recente apagão não ocasionou qualquer incidente nas operações da empresa, localizadas na região nordeste e sudeste do país. "Contamos com um grupo de geradores que atende toda a infraestrutura, tanto em área como em missão crítica. Como sempre tratamos nossas instalações como algo de extrema importância para o funcionamento de nossas operações, mantemos regularmente as manutenções em dia e, por isso, não fomos impactados pelo incidente. Além disso, somos certificados pelo Tier III - UpTime Institute e asseguramos mais de 240 horas ininterruptas de energia própria e seguimos todas as boas práticas estabelecidas pelas normas. Do mesmo modo, contamos com Nobreaks Senoidais que mantêm nossa instalação crítica constantemente ativa", comentou o engenheiro elétrico.

Brito enfatizou as estratégias da empresa para diversificar as fontes de energia dos seus data centers com uma visão voltada para o futuro, com o intuito de minimizar possíveis falhas resultantes de interrupções no sistema nacional. Nos últimos anos, a HostDime se adiantou nesse aspecto ao construir uma usina FV capaz de suprir 120% da demanda energética. Além disso, a empresa já tem planos concretos para a segunda fase de expansão dessa usina, visando cobrir 200% da demanda atual. De forma adicional, aprimorar a diversificação energética é uma meta da empresa, e essa melhoria está sendo planejada de maneira a evitar problemas que possam demandar ações imediatas.

Diretamente do Mato Grosso, Amarildo Gonçalo, Gerente de Data Center & Facilities no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, informou que seu data center não foi significativamente impactado pelo apagão devido à robusta redundância de geradores que possuem. "Nossos protocolos de contingência foram essenciais para manter a continuidade das operações durante o apagão. Identificamos algumas áreas onde nosso treinamento poderia ser aprimorado para uma resposta ainda mais eficaz em cenários similares. Estamos comprometidos em realizar treinamentos regulares e simulações para fechar essas lacunas. Ademais, entendemos que as atividades de testes realizadas em nossos sistemas UPS (Uninterruptible Power Supply) também foram cruciais para garantir uma transição suave para o backup power. Essas medidas nos permitiram manter nossas operações, embora tenhamos enfrentado alguns desafios menores", comentou o gerente.

Para Gonçalo, um ponto importante diante de eventos como o recente apagão no Brasil é entender que cada data center tem suas próprias necessidades e requisitos, portanto, é relevante realizar uma análise detalhada e consultar especialistas para determinar quais tecnologias seriam mais adequadas para aprimorar a resiliência do centro diante de apagões e crises energéticas - incidentes que normalmente testam as infraestruturas e revelam pontos de melhoria. Do mesmo modo, "é fundamental compreender que os sistemas de backup power não são apenas uma medida de segurança, mas uma parte integral da estratégia de resiliência. Eles garantem a estabilidade das operações e nos permitem cumprir com nossos compromissos de prestação de serviços, mesmo em situações imprevistas como apagões", pontua.

Assim como a HostDime, o TJMT planeja investir cada vez mais na diversificação de sua energia. "Estamos avaliando a viabilidade de incorporar fontes de energia renovável, como energia solar, como complemento aos nossos sistemas de backup existentes. Além disso, estamos explorando maneiras de otimizar a eficiência energética em nossos data centers para reduzir nossa dependência de fontes tradicionais de energia. A diversificação de fontes de energia não apenas nos auxiliará a enfrentar eventuais interrupções no fornecimento de energia elétrica, mas também está alinhada com nossos compromissos ambientais, contribuindo para a sustentabilidade a longo prazo", revelou Gonçalo.

Batteries in a data centre UPS application.jpg
– EnerSys

A ODATA - An Aligned Data Centers Company, empresa referência no mercado de colocation, informou que o apagão da última semana não impactou as operações de seus data centers no Brasil. De acordo com Fernando Ribeiro, Coordenador de Sistemas da ODATA, o colocation “possui protocolos robustos de redundância e sistemas de energia de backup implementados justamente para evitar que ocorrências como essa prejudiquem as atividades. Como a ODATA oferece serviços de Colocation, é disponibilizada uma ‘estrutura espelho’ aos clientes, funcionando como um backup que possa entrar em operação imediatamente em casos de falta de energia. Da mesma forma, não foram identificadas lacunas no treinamento, pois realizamos constantes preparos com as equipes dos sites para garantir que todos os profissionais estejam alinhados com esses protocolos de emergências em situações semelhantes.”

Ribeiro destaca que, ainda que o apagão não tenha evidenciado nenhuma fraqueza em seus sistemas de backup, a empresa está sempre atenta às novas tecnologias que surgem para elevar a eficiência e a capacidade destes, a fim de garantir ainda mais a resiliência das operações.

Outro importante player no mercado de colocation que não foi afetado pelo apagão foi a Scala Data Centers. "Ao identificarmos uma alteração no padrão de fornecimento de energia da rede elétrica que abastece nossos locais, seguimos os protocolos de contingência e mantivemos as condições normais de operação. Não houve qualquer impacto. Isso se deve à adoção de protocolos de contingência bem estabelecidos e à implementação de sistemas de energia redundantes, como baterias e geradores, que nos permitem manter a operação mesmo em casos de interrupção no fornecimento de energia elétrica. Além disso, mantemos contato constante com nossos fornecedores de energia e monitoramos eventos em tempo real para garantir que nossos data centers possam responder prontamente a qualquer interrupção de energia", explicou Cleber Braz, Vice-presidente Sênior, BuzDev & Experiência do Cliente.

Além dos protocolos de contingência, Braz destacou o desempenho dos profissionais da Scala e os constantes investimentos da empresa em tecnologias de backup de energia. "Nossa equipe está bem treinada e preparada para lidar com situações desse tipo, o que nos permitiu manter a continuidade das operações sem lacunas no treinamento ou falta de preparo. Temos um programa que inclui uma série de simulações (drills) para que nossos técnicos e engenheiros estejam sempre prontos para atuar em diversas situações de falha, incluindo problemas no fornecimento de energia da rede elétrica. Além disso, estamos comprometidos com investimentos contínuos em tecnologias de baterias de longa duração, geradores eficientes, fontes de energia renováveis e certificadas, bem como sistemas de monitoramento avançados. Tudo isso visa garantir que nossos sistemas de energia de backup permaneçam prontos para ação, alinhados com nossa abordagem que prioriza a proatividade, não apenas a mitigação, mas também a antecipação de possíveis situações de risco".

Na Ascenty, as operações também não foram impactadas. De acordo com Sérgio Abela, Diretor de Operações, todos os 20 data centers da empresa em operação no Brasil são projetados para funcionar, pelo tempo necessário, independentemente da alimentação da rede elétrica. "Nossos data centers estão equipados com geradores e UPSs que garantem a operação de forma totalmente autônoma. Por isso, nossos protocolos de contingência se mostraram 100% eficazes durante o apagão. Além disso, é importante destacar que nossas equipes estão bem preparadas, uma vez que simulam esse tipo de operação pelo menos uma vez por semana."

Igualmente, nos data centers da Kyndryl, não ocorreram interrupções. De acordo com Denller Constancio, Diretor de Operações de Data Center da Kyndryl nas Américas, os centros da empresa permaneceram inalterados pelo incidente, uma vez que a região em que as operações estão situadas não sofreu impactos.

O Caminho para a Estabilidade Energética

Frente a cenários como o ocorrido na semana do dia 15, surge a pergunta: como prevenir incidentes semelhantes? O CEO da Genyx Solar, Lucas Freitas, sustenta que já existem soluções para evitar apagões como o que ocorreu neste mês. Uma das alternativas já acessíveis são as baterias de lítio, as quais foram homologadas pelo INMETRO no ano passado. Elas se destacam como uma opção mais segura em comparação ao sistema atual, quando se trata deste tipo de problema.

“As baterias de lítio combinadas com energias renováveis transformam a energia solar ou eólica, que são fontes intermitentes, em fontes despacháveis. Assim, em conjunto com inversores híbridos de fonte solar, são uma fronteira importante da modernização do sistema elétrico brasileiro e que permite grandes avanços em diversas frentes, possibilitando segurança para o sistema, estabilização da rede combinada com geração distribuída e novos modelos de negócios. A combinação entre baterias de lítio e energia solar vai dominar o futuro”, afirma o executivo.

Vale lembrar que o uso de baterias não é novidade no setor de data centers. “Com capacidade de oferecer um tempo de resposta mais rápido em comparação com outras tecnologias, estas baterias operam quase que instantaneamente quando ocorre uma interrupção de energia. Isso é extremamente importante para manter a confiabilidade das operações dos data centers, os quais são altamente sensíveis”, comenta Freitas.

Além do uso de baterias, o setor de data center já tem dado passos mais largos quando o tema é energia de backup.

Empresas como Equinix, Atos e Microsoft já investem em pesquisas e testes com hidrogênio verde, uma promissora energia de backup que seria capaz de substituir, por exemplo, os geradores a diesel. Segundo Wilson Domínguez, Engenheiro Sênior de Operações de Data Center da Claro, “estamos em um momento de tornar os data centers mais sustentáveis ​​e o hidrogênio verde representa uma alternativa energética viável. Governos e empresas estão trabalhando de diferentes ângulos para torná-la uma opção executável no curto prazo”.

Cabe ressaltar que, de acordo com especialistas, incluindo o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o recente apagão no Brasil não guarda relação com a falta ou escassez de recursos para a produção de energia. Devido a suspeitas de sabotagem ou erro humano, a Polícia Federal foi acionada e iniciou um inquérito para investigar as causas do incidente. Até o momento, informações adicionais não foram divulgadas.