Conectado a cinco continentes por uma ampla rede de cabos submarinos, Portugal é um dos principais centros globais de interconexão e se destaca pelo seu potencial para impulsionar o desenvolvimento digital e a evolução do setor de Data Centers.

Além da sua posição geográfica privilegiada, o país conta com uma rede de fibra altamente desenvolvida – proporcionando baixo custo e alta velocidade –, um ecossistema atrativo para o empreendedorismo, estabilidade política e grande disponibilidade de energias renováveis (70%).

No entanto, existem desafios para que Portugal alcance o seu potencial e acompanhe o ritmo acelerado da transformação digital. Dificuldades de licenciamento e de regulamentação, formação de talentos e uma capacidade energética ainda maior são alguns dos pontos que merecem mais atenção.

A partir de uma análise da Associação Portuguesa de Data Centers (PortugalDC), a DCD consultou líderes do setor, que avaliaram o momento atual e projetaram o futuro, examinando os diferentes fatores envolvidos no desenvolvimento do país para responder às crescentes demandas digitais.

O panorama atual

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Instalações da Start Campus em Sines

Portugal possui cerca de 35 Data Centers, sendo que a maioria são infraestruturas de capacidade reduzida. Em termos de distribuição geográfica, estão concentrados no Porto e em Lisboa, com preponderância para a capital, onde aproximadamente metade das instalações estão localizadas. Além dessas duas cidades, existem Data Centers em outros pontos, com destaque para Covilhã e, em breve, Sines.

Duas estruturas notabilizam-se em termos de capacidade (acima de 2.000 m² e 2 MW). A maior em operação no país é a da Altice, que está localizada na Covilhã e tem presença no Porto e em Lisboa, com a sua capacidade recentemente expandida com um segundo Data Center na capital. Também se destaca a instalação da Equinix no Prior Velho, em Lisboa. Conforme PortugalDC, trata-se do primeiro Data Center neutro a operar em Portugal e único player internacional de infraestruturas digitais no país, configurando um ponto central de conectividade.

Também existem outros detentores e operadores de Data Centers com relevância na oferta nacional de colocation, como NOS, RENTELECOM, IP Telecom, Gigas, Kyndryl, Claranet e DE-CIX.

“Esta histórica realidade de ‘construir pequeno’ está em clara inversão, assistindo-se neste momento a avultados investimentos na expansão da infraestruturas existentes e no lançamento de novos projectos por players recentemente chegados, que descobriram em Portugal a localização privilegiada para este sector”, comenta a presidência da PortugalDC, representada pelo presidente Luis Duarte e os vice-presidentes Rita Lourenço e Carlos Paulino.

Com o desenvolvimento da economia digital, especialmente na África e na América do Sul, espera-se que o país viva um crescimento exponencial de procura de conectividade, bem como de capacidade computacional e de alojamento de conteúdos para serviços relacionados a essas novas economias.

Fabíola Bordino, co-fundadora e diretora-geral da Light Fossil, ressalta a capacidade de crescimento do setor no país, mas pondera ao indicar dificuldades para a sua evolução: “Portugal possui um enorme potencial para se tornar um líder europeu no mercado de Data Centers, graças à sua localização privilegiada e matriz energética favorável. No entanto, é crucial ultrapassar os desafios relacionados com a burocracia e a resistência dos players estabelecidos para que o país possa aproveitar ao máximo esta oportunidade”.

Portugal, um centro mundial de interconexão

Recentemente, a DE-CIX publicou o estudo Portugal: A Global Interconnection Hub, a Gateway to Europe, a Gateway to the World, em que apresenta uma análise exaustiva do mercado português e classifica o país como um centro estratégico de interconexão global, capaz de gerenciar fluxos destinados à Europa e de atuar como uma zona de trânsito para um roteamento mais eficiente de dados intercontinentais.

O relatório destaca Portugal como um local próspero para a interconexão de redes, sendo um mercado de IX (Internet Exchange) privilegiado e com alto potencial para satisfazer as necessidades dos operadores e de empresas em processo de digitalização. Dessa forma, é uma alternativa viável aos históricos centros de interconexão FLAP (Frankfurt, Londres, Amsterdã e Paris).

Além disso, o estudo ressalta a queda de 65% nos preços de conectividade de trânsito IP desde 2016. No mesmo período, também houve um aumento de 844% na velocidade média de conexão, passando de 12,6 Mbps a 119 Mbps e levando o país da 37ª para a 22ª posição global neste aspecto.

“Estamos muito orgulhosos do crescimento e do impacto que alcançamos no estabelecimento de Portugal como um centro de interconexão global. O estudo é um marco importante em nosso caminho. Esta análise destaca o notável progresso que Portugal fez no desenvolvimento da infraestrutura digital e no impulso de diversos setores”, afirma Ivo Ivanov, CEO da DE-CIX.

Até 2026, espera-se que as iniciativas de cabos submarinos que chegam ao litoral português se estendam a 115 estações de aterragem em todo o mundo, estabelecendo conexões diretas com pelo menos 60 países em cinco continentes, alcançando até a Austrália. Em relação à África, observa-se não só um aumento no volume de tráfego para Portugal, mas também uma diversificação dos pontos de origem africana.

Rui Franco, diretor-geral na RENTELECOM, comenta sobre os avanços recentes de conectividade: “Portugal beneficia atualmente da amarração de 11 sistemas internacionais, com destaque para os recentemente amarrados 2Africa (2024), Equiano (2023) e EllaLink (2021). Este número vai crescer com os já anunciados Medusa (2025), Nuvem (2026) e Pisces (2026). Estes sistemas submarinos são complementados por robustas redes terrestres, com destaque para a rede da RENTELECOM, o maior e mais estável backbone no país, com quase 8.000 km de cabos de fibra óptica ligando Portugal a Espanha em sete pontos na fronteira”.

A era de ouro do mercado português

REN apresentará o seu novo data center em DCD>Portugal
Data Center da REN em Riba de Ave

Impulsionado por novos projetos anunciados a um ritmo nunca visto, Portugal vive o seu “momento dourado” na indústria de Data Centers, como define PortugalDC.

Nos últimos anos, temos verificado uma expansão dos investimentos a serem realizados de uma forma progressiva para países mais periféricos, sendo prova a incrível aceleração que se verificou na Espanha há cerca de 10 anos e que posteriormente se estendeu a Portugal com projectos de dimensão nunca antes vista a nascerem nos últimos 3 anos”, comentou a associação.

Entre os novos projetos, destaca-se o da Start Campus, em Sines, com uma primeira fase prestes a entrar em produção e uma capacidade final de 495 MW. Será o maior Data Center alimentado por energia 100% verde na Europa com arrefecimento por água do mar.

Também vale mencionar a expansão da Equinix para LS2 e, ao norte de Lisboa, a construção do Data Center da Merlin com capacidade total de 100 MW.

Por parte da AtlasEdge, há duas instalações anunciadas na Área Metropolitana de Lisboa, totalizando mais de 20 MW de carga IT e investimentos de mais de 500 milhões de euros nos próximos anos.

Paulo Costa, diretor de projetos da AtlasEdge, explica o que motivou a chegada da empresa ao país: “Um critério relevante é estar perto do local da chegada dos cabos submarinos. Isso traz a oportunidade de nos conectar com outros mercados, como o africano e o sul-americano. Estamos em uma área que tem muitos negócios, o que nos permite estar próximo dos nossos utilizadores finais e dos nossos clientes finais. O mercado Edge nos permite estar próximos e garantir boa capacidade de conexão, baixa latência e por isso queremos nos situar aqui”.

Em seu levantamento, PortugalDC também destaca o projeto da AireNetworks e o investimento da Quetta Data Centers, que deve totalizar 500 milhões de euros na construção de seis Data Centers Edge na Espanha e em Portugal, com uma capacidade total de 60 MW.

Paco González, CEO, Quetta Data Centers, projeta um maior protagonismo do país: “As energias renováveis, a estabilidade, a seriedade da gestão e a rede energética, além da conectividade por cabos submarinos com África e América do Sul com chegada a Lisboa e áreas circunvizinhas, são elementos muito importantes que preveem um forte crescimento do setor nos próximos anos, aproximando-se dos FLAPs.

Para atrair a chegada de gigantes globais, Portugal ainda precisa se desenvolver em alguns aspectos, segundo Samuel Carvalho, CMO de AngolaCables: “A progressão de Portugal nas metas do digital e a confiança dos grandes produtores de conteúdo e hyperscalers (Google, Meta, Microsoft e Amazon) para escolherem este porto digital na ponta mais ocidental da Europa como o seu PoP (Ponto de Presença) depende em muito da disponibilidade de novos Data Centers para acomodar infraestruturas de dados ligadas a IXPs e permitir o roteamento ao maior número de ASNs locais e internacionais”.

As barreiras para o desenvolvimento

O crescimento acelerado do setor de Data Center português nos últimos anos também gera preocupações em vários aspectos. Para a PortugalDC, os três principais desafios envolvem regulamentação, talento e energia. A seguir, apresentamos o ponto de vista da associação e a opinião dos líderes consultados que apontaram essas mesmas dificuldades.