Os primeiros cabos submarinos, construídos para enviar sinais de telegramas, foram instalados em meados do século 19 e ajudaram a estabelecer as bases para a infraestrutura da internet de hoje. O primeiro cabo telefônico submarino, TAT-1, foi instalado entre 1955 e 1956. Em um projeto conjunto, o cabo foi pago por um consórcio, que incluía os Correios do Reino Unido (que era então sede da BT), a American Telephone and Telegraphs (agora AT&T) e a Canadian Overseas Telecommunications Corporation. O primeiro cabo de fibra óptica chegou pouco mais de 30 anos depois, e foi novamente instalado por meio de uma parceria entre AT&T, France Telecom e British Telecom.
Hoje existem quase 500 cabos submarinos em operação ou em desenvolvimento. E embora as telecomunicações continuem sendo uma parte importante do cenário, as tendências estão se afastando cada vez mais das telecomunicações e indo para projetos de cabos submarinos liderados por hyperscalers Over-The-Top (OTT).
É o que estão fazendo alguns dos maiores investidores em data centers, como Facebook, Google, Microsoft e Amazon; estão empregando centenas de milhões de dólares em uma infinidade de projetos de cabos em todo o mundo e mudando o processo da indústria.
“Tendo sido responsável por menos de 10% do uso total antes de 2012, Google, Facebook, Microsoft e Amazon estão atualmente investindo em mais de 40 cabos submarinos em todo o mundo, o que gira em torno de 250 Tbps cada”, diz Brian Lavallee, especialista em soluções submarinas da Ciena. "Apple, Dropbox, Netflix, Alibaba, Akamai e Limelight respondem por grande parte do resto."
Hyperscalers se consolidam no mar
Onde antes as empresas de telecomunicações e comunicações dominavam e compartilhavam a propriedade da fibra submarina, os hyperscalers estão investindo cada vez mais, como parte de consórcios tradicionais e como projetos privados. Onde antes eles eram grandes clientes, compradores de grande capacidade, agora são líderes em novos projetos.
“Há 20 anos eram todos cabos de consórcio; empresas de telecomunicações tradicionais se uniram e criaram um grupo de consórcio e financiaram esses projetos”, conta Gil Santaliz, fundador e CEO da estação de aterrissagem de cabos NJFX de Nova Jersey. “Hoje, os que estão apoiando esses projetos em construção são grupos menores, e são as empresas de nuvem e mídia social porque perceberam que precisavam da economia do proprietário, precisavam controlar a arquitetura.”
Um dos maiores investidores de hiperescala em cabos submarinos é o Google, gigante dos motores de busca. De acordo com a SubmarineNetworks.com, o Google investiu em pelo menos 19 cabos submarinos desde 2010, incluindo seis cabos privados.
O primeiro investimento em cabo submarino do Google, foi o cabo Unity por volta de 2010. A gigante das buscas juntou-se a um consórcio de Bharti Airtel, Global Transit, KDDI Corp., Pacnet (agora Telstra) e SingTel para construir um cabo conectando Chikura, no Japão, a Los Angeles, nos EUA.
A empresa está atualmente realizando grandes investimentos em cabos privados e consorciados, que estão entre os maiores do mundo e tem outros cabos em desenvolvimento. O cabo Grace Hopper de 350 Tbps e 16 pares de fibras conectará Estados Unidos, Reino Unido e Espanha e está programado para entrar em operação este ano. O cabo Equiano Portugal-África do Sul também tem previsão de início das operações para este ano. Anunciado para operar em 2023, o cabo Firmina conectará a costa leste dos Estados Unidos a Las Toninas, na Argentina, com land stations na Praia Grande (SP) e Punta del Este, no Uruguai.
"Os sistemas construídos há 20 anos não têm capacidade adequada, além de novos recursos técnicos importantes. Portanto, não podem mais gerenciar o trabalho", diz Mark Sokol, diretor sênior de infraestrutura do Google Cloud. “É necessária tecnologia atualizada para lidar com esse crescimento contínuo na demanda de capacidade, alimentado pela computação em nuvem, avanços futuros na internet, replicação de back-end e muitas inovações revolucionárias à frente”.
“Estamos construindo nossa rede para fornecer a melhor experiência possível para nossos usuários finais e clientes. Ao projetar e financiar cabos submarinos, podemos planejar efetivamente as necessidades futuras de capacidade de nossos clientes e usuários em todo o mundo e adicionar uma camada de segurança, além do que está disponível na internet pública."
O cabo Dunant da gigante das buscas, liga a cidade de Virginia Beach à costa da França, e entrou em operação recentemente. A empresa afirma que o cabo de 6.400 km de 12 pares de fibra tem capacidade de 250 Tbs, tornando-o o cabo submarino de maior capacidade do mundo. Isso será superado pelo cabo Grace Hopper Reino Unido-Estados Unidos de 340 Tbps da empresa, que chegou recentemente à Cornualha - Inglaterra e deve entrar em operação em breve.
Mesmo que novos projetos de cabo sejam financiados por meio de consórcios, os hyperscalers OTT ficarão felizes em fazer parceria. O Facebook fez parceria com o Google, Microsoft e Amazon para diferentes projetos de cabo.
Google e Amazon investiram no cabo HAVFRUE Estados Unidos-Dinamarca, enquanto Microsoft e Amazon possuem pares de fibra no cabo MAREA Espanha-Estados Unidos. O Facebook faz parte de ambos os projetos, além de vários outros, incluindo os sistemas Echo e Bifrost, que conecta a costa oeste dos Estados Unidos a Cingapura e Indonésia.
“Essas empresas gigantes têm equipes dedicadas e talentos internos que sabem gerenciar um projeto”, diz Santaliz. “Eles sabem como fazer parcerias com outros líderes da indústria para gerar oportunidades relacionadas e trabalham em vários projetos ao mesmo tempo. Não é como há 20 anos, quando você tinha 22 empresas envolvidas em um projeto que se reuniam quatro vezes para realizar um mesmo projeto."
Embora os hyperscalers estejam felizes em compartilhar capacidade em cabos, é improvável que comecem a revender capacidade. Alan Mauldin, diretor de pesquisa da TeleGeography, disse anteriormente à Wired que eles "nunca fariam isso" porque se tornariam um operador e estariam sujeitos a licenciamento como operador. No mesmo artigo, Urs Hӧlzle, vice-presidente sênior de infraestrutura técnica da divisão de nuvem do Google, confirma que o Google "não quer ser um provedor de serviços como um ISP" e está fazendo isso apenas porque consórcios podem atrasar o processo de construção de novos cabos submarinos.
Hyperscalers querem controlar os cabos e a capacidade
As iniciativas de hyperscalers e outros provedores de OTT estão aumentando rapidamente a capacidade de cabos. A Telegeography.com relata que a quantidade de capacidade internacional implantada por redes de conteúdo aumentou nove vezes entre 2015 e 2019. A empresa de pesquisa diz que, tendo representado menos de 10% do uso total antes de 2012, a participação dos provedores de conteúdo em capacidade total de cabos ultrapassou 65% em 2020.
"Os ISPs estão construindo sua própria infraestrutura de cabos submarinos para aumentar a capacidade, oferecer serviços mais abrangentes e fornecer acesso internacional ao seu cobiçado conteúdo", diz Lavelle, da Ciena. “Isso certamente está tendo um efeito positivo na indústria de cabos submarinos em geral, já que resulta em maior concorrência e diversidade de rotas para maior disponibilidade, acelerando o acesso a uma conectividade global cada vez mais confiável.”
Além dos novos, os cabos existentes são continuamente atualizados com novas tecnologias. Após um teste no início deste ano, o cabo transatlântico MAREA, originalmente projetado com capacidade de 160 Tbps, viu sua capacidade potencial aumentar de 200 Tbps para 224 Tbps.
Santaliz diz que muito do rápido progresso que está sendo feito na tecnologia de cabo, está sendo impulsionado por hyperscalers que exigem mais de seus provedores.
"O Google e o Facebook foram realmente os pioneiros e impulsionaram essas empresas como SubCom e Alcatel a melhorar seu jogo", explica ele. “Eles pediram soluções melhores, fizeram um ótimo trabalho recrutando talentos dentro de suas empresas para ultrapassar os limites e fazer com que os fabricantes criassem mais. Assim, reinventaram a indústria nos últimos cinco anos.
“Eles não estão mais sentados esperando uma proposta; estão impulsionando a inovação, direcionando aplicativos. Estão sentados ao lado de operadoras de telecomunicações e, em alguns casos, dizendo a elas que há uma maneira melhor de fazer isso.”
Santaliz diz que uma das razões pelas quais os grandes hyperscalers estão investindo em cabos é garantir tempo de atividade e conectividade contínuos; a perda de conectividade prejudica a marca.
Outros players de OTT vão querer investir em cabos?
Santaliz aponta que apenas os maiores clientes corporativos terão tempo para aprender como funciona a indústria submarina e assim,
entender a arquitetura e construir sozinhos cabos submarinos; o setor bancário pode ser o próximo a empreender neste sentido.
“O setor bancário sempre foi apenas um cliente de telecomunicações, e está assistindo OTTs passarem de clientes para parceiros. As transações são importantes; a ideia de não poder processar um pagamento ou finalizar uma transação ou fechar um negócio porque seu aplicativo está inoperante significa atrelar ineficiência ao banco." Podemos já estar vendo isso, a Morgan Stanley comprou 49% da rede regional de fibra da Altice.
Enquanto os principais players de OTT estão investindo em data centers e cabos, as empresas de conteúdo menores estão mais focadas em redes de entrega de conteúdo (CDNs) e garantindo que seu conteúdo seja armazenado em cache próximo a seus sites. Mas isso pode mudar no futuro?
Derek Long, chefe de telecomunicações móveis da Cambridge Consultants, conversou com a DCD e abordou a possibilidade de grandes provedores de conteúdo como a Disney entrarem na infraestrutura da internet, por meio de pseudossatélites de alta altitude (HAPS), talvez o mesmo possa acontecer com cabos submarinos.
Onde as empresas de telecomunicações se encaixam em um mundo OTT?
Além de impulsionar a inovação em torno da tecnologia, o aumento de players de OTT investindo em seus próprios cabos significa que o restante da indústria de cabos também deve adaptar a maneira como faz negócios. Em julho, a Global Cloud Exchange cancelou seu cabo Eagle da Itália para Cingapura devido à falta de um arrendatário principal.
“O velho ditado 'construa e eles virão' não funciona mais”, disse recentemente o CEO Carl Grivner à Capacity.
À medida que os cabos existentes são aposentados e os hyperscalers fazem mais investimentos diretos em novos cabos, a economia tradicional das telecomunicações pode não se manter como antes. Mas, apesar disso, eles ainda têm um papel a desempenhar na indústria.
"Nas maiores rotas de tráfego (através do Atlântico e do Pacífico), vimos os mais recentes consórcios com empresas de telecomunicações envolvidas", conta Mattias Fridstrom, evangelista chefe da Telia Carrier. “A maioria dos novos cabos será construída por um ou alguns proprietários com um par de fibra como o menor denominador.
Santaliz diz que as operadoras não serão os "caras de referência" quando se tratará de inovação, mas, em vez disso, investirão em "arquiteturas interessantes". Um exemplo que ele dá, é o cabo Blue-Raman da Telecom Italia e da Omantel, que contorna o lotado Canal de Suez passa por Israel e tem como missão melhorar a infraestrutura de internet da Jordânia, Arábia Saudita, Djibouti, Omã e Índia.
“Operadoras serão recompensadas porque foram inovadoras e conseguiram resolver esse problema. É aí que elas encontrarão seu lugar neste novo cenário, fornecendo seus valores tradicionais de soluções ponto a ponto e fazendo parcerias com OTTs.”
Gavin Rea, CTO da Gulf Bridge International (GBI), ressalta que alguns proprietários de cabos decidiram não envolver as OTT’s diretamente em seus cabos; o tipo de relacionamento irá depender muito de que projetos as operadoras desejarão realizar com os players OTT no futuro.
“Cada proprietário de cabo deve tomar suas próprias decisões sobre trabalhar diretamente com OTTs como parceiros em um novo cabo ou manter um relacionamento com o cliente vendendo capacidade para eles.”
A longo prazo, Michael Ourabah, executivo-chefe do provedor de infraestrutura e conectividade da BSO, alerta que o ecossistema em torno das operações de cabo precisa crescer para acompanhar a demanda, para que os hyperscalers não assumam o controle.
“O ecossistema de suporte, como reparos de navios, cabos e fornecedores de equipamentos especializados, não terá capacidade suficiente para suportar o crescente volume de cabos submarinos; isso pode levar ao desenvolvimento de um sistema de duas camadas, onde rotas de alto volume executadas por hyperscalers armazenam ativos de reparo e são bem atendidos por eles, mas rotas de baixo volume são mal provisionadas e se deterioram”, diz ele.
“A única maneira de manter a competitividade dos consórcios será cooperar com OTTs e hyperscalers e buscar oferecer serviços complementares que ampliem o alcance das redes para áreas onde os cabos ainda não podem chegar facilmente.”