“O Agronegócio corresponde a cerca de 25% do PIB brasileiro, mas apenas 17% das áreas rurais estão conectadas. A falta de conectividade no campo não permite que o produtor consiga extrair o máximo das tecnologias que possui, mesmo possuindo equipamentos com alta tecnologia embarcada, isso não afeta só o produtor, mas toda a comunidade ao redor, que fica distante de serviços públicos, de uma educação formal e técnica de qualidade e de interações com as facilidades da vida urbana”, avalia Guilherme Gonzales Panes, Diretor da ConectarAGRO.

O Brasil ainda tem muito a evoluir em termos de conectividade no campo. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 73% das propriedades rurais não estão conectadas. E a cobertura que existia até pouco tempo atrás, era oriunda da rede já existente na divisa entre a cidade e o campo, ou próxima a comunidades ou rodovias. Por consequência, algumas propriedades rurais acabavam recebendo algum tipo de cobertura (2G ou 3G).

Não existia nenhum planejamento estratégico para levar a cobertura para áreas onde tinham apenas fazendas e plantações, com pessoas e máquinas trabalhando. Percebendo a existência desse “gargalo” na vida dos produtores, um grupo de oito empresas se uniu para criar a ConectarAGRO, uma associação sem fins lucrativos, que tem o intuito de fomentar a conectividade em áreas rurais e remotas do Brasil, adotando um modelo que leva informações para ajudar produtores rurais a tomar a decisão de investir e trazer a conectividade para as propriedades. A partir disso, desde 2020, a ConectarAGRO ajudou levar conectividade para mais de 12 milhões de hectares de áreas rurais no país, assim como mais de 24 milhões de hectares pela tecnologia Narrow Band IoT (NB-IoT), beneficiando mais de um milhão de pessoas, em 485 municípios de 12 estados diferentes.


A Agricultura Digital no Brasil já é uma realidade ou ainda estamos muito atrás?

As ferramentas e soluções para a Agricultura Digital estão evoluindo em uma velocidade muito grande e o produtor está buscando através delas evoluir sua produtividade, reduzir custos, ter uma produção mais sustentável e por consequência aumentar sua lucratividade.

A Agricultura Digital não é uma realidade para todas as 5 milhões de propriedades rurais do Brasil, porém ela vem colaborando muito com a melhoria da eficiência operacional, redução do uso de insumos e permitindo uma gestão mais detalhada e simples de todos os processos de uma propriedade, que são muito complexos.

A Agricultura Digital surge em um momento em que a demanda por alimentos está cada vez maior. Isso pode ser comprovado por um relatório divulgado recentemente pela Organização das Nações Unidas (ONU). De acordo com o estudo, a população mundial atingirá 9,7 bilhões de pessoas em 2050, um aumento de 26% em relação à população atual.

A digitalização promove um melhor manejo na lavoura, seu mapeamento, o planejamento das atividades, a comunicação na hora de contratar serviços, e até mesmo na compra e venda de produtos.

Há um tema importante a ser tratado que é a mudança de cultura por parte dos produtores, no sentido de alterar práticas que estavam sendo feita há anos e por não haver soluções ou tecnologias adequadas, “sempre foram feitas da mesma forma”. A Agricultura Digital traz consigo um novo paradigma de plantar na melhor janela, só pulverizar se houver dados que comprovem a necessidade, adubar baseado na necessidade da lavoura e colher melhores condições. Isto leva algum tempo e é baseado em confiança nas experimentações que o agricultor está fazendo.

Porém mesmo com todos esses avanços, ainda são muitos os desafios que o setor agrícola precisa superar e que dificultam a máxima potencialidade da agricultura digital no Brasil - um dos grandes desafios a ser superado é a qualidade da cobertura de sinal de internet no campo. A ineficiência da conectividade é um grande entrave para o desenvolvimento da Agricultura Digital.

Quais são as vantagens da conectividade para o homem do campo?

Além da melhor gestão da propriedade, maior produtividade com menor impacto ambiental, outro aspecto muito importante é a questão social. Conectar as pessoas traz uma série de benefícios, de conseguir pagar uma conta longe do banco, passando por realizar uma consulta médica virtual, até fazer um curso e treinamento - ganhar conhecimento - entre outras possibilidades. Além disso, conectar as "coisas" também é extremamente importante, pois não só o setor de agtechs é fomentado, como todos ganham com as soluções vindas a partir delas.

Em termos de agricultura e tecnologia, o que iremos ver nos próximos anos por aqui?

Com certeza nos próximos anos veremos um avanço das “coisas” autonomia na Agricultura (terrestres, aéreos e outros), o uso intensivo de Inteligência Artificial para suportar tomadas de decisões, continuidade no avanço genético e tomada de decisão em tempo real. Tecnologias para transmissão de dados em altíssima velocidade, permitindo o uso de tecnologias de Realidade Aumentada e Virtual e ainda usando máquinas e soluções mais tecnológicas para que a lavoura possa ter os recursos que precisa e o produtor possa ter eficiência no dia a dia, gerando maior produtividade, sustentabilidade e gerando riqueza para ele e a comunidade que está inserida.

IoT no campo, de quem é a função de polarizar o uso da tecnologia: governo ou iniciativa privada?

Para a conectividade no campo ocorrer de fato, é importante a união entre os setores público e privado. No setor privado as grandes empresas agrícolas já estão atentas e participando, as pequenas e médias estão se fortalecendo através das cooperativas e os governos também já estão se mobilizando. No caso do investimento público, o campo brasileiro pode estar coberto com 4G com ajuda de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e do leilão do 5G. A Associação está apresentando propostas que visam a priorização de áreas e de metodologias ao comitê gestor do fundo. Já as metas do leilão do 5G serão acompanhadas de perto, como as que obrigam a cobertura com 4G, por exemplo, em rodovias federais e escolas.

Com a propagação da IoT no campo, quais serão os ganhos para o Brasil?

Com a implementação da IoT os processos são administrados de um modo mais eficaz no campo. Com a assistência de sensores, por exemplo, é possível monitorar a qualidade do solo, umidade, temperatura, automatizar o processo de irrigação, e outros.

Assim, os agricultores conseguem acompanhar as condições da lavoura remotamente, além de gerir melhor os recursos naturais. Portanto, a agricultura inteligente é muito mais eficaz que a tradicional.

Investir em tecnologia no campo seria uma saída viável para o crescimento da produção do Brasil?

Com o desenvolvimento da Agricultura Digital, são diversos os benefícios para o mercado agrícola brasileiro, que ganha maior agilidade e assertividade na tomada de decisão, aumento na produção, otimização no uso de insumos e melhor monitoramento da fazenda, consequentemente, menor perda. Isso porque o produtor tem condições de gerir a safra a partir de dados agronômicos seguros sobre a lavoura, utilizando informações disponíveis. Com o uso da Agricultura Digital, uma grande quantidade de dados e informações é processada, consolidada e analisada e, a partir deles, é possível gerar recomendações mais precisas ao produtor, como, por exemplo, a indicação da melhor época de plantio, a fertilização adequada, a performance de cada talhão, a quantidade de sementes a ser semeada, de defensivos a ser aplicada, entre outras. Tudo isso promove a redução de desperdício, melhor aproveitamento de água, por exemplo, transformando o agronegócio em uma prática muito mais sustentável.

Qual é o papel da Inteligência Artificial na Agricultura? Que benefícios ela aporta?

A Inteligência Artificial na Agricultura se dá ao conjunto de recursos que auxiliam o agricultor na coleta de dados, processamento de informações e de tomada de decisões que influenciam no desempenho da lavoura. Com o armazenamento expandido e a maior capacidade de processamento, a Inteligência Artificial analisa os dados inseridos no sistema e geram recomendações sobre os resultados a serem otimizados dentro de uma propriedade rural. A automatização de máquinas é uma atividade potencializada pela Inteligência Artificial, apresentando melhores práticas de manejo das diferentes culturas.

Porém, apesar das ferramentas de Inteligência Artificial já serem muito utilizadas em outros setores, seu uso ainda está em processo de expansão na Agricultura.

Com o apoio dos recursos de Inteligência Artificial, o produtor consegue alcançar diversos objetivos, tais como: otimização da produção, agilidade na tomada de decisões; acesso a diagnósticos mais precisos; crescimento da produtividade; redução dos prejuízos provocados por pragas e doenças; diminuição de desperdícios; minimização dos impactos ambientais e aumento da competitividade dos produtos agrícolas no mercado.

De acordo com um estudo realizado pela MaketsandMarkets, companhia especializada em pesquisas de mercado, a previsão é que o uso de Inteligência Artificial na Agricultura cresça cerca de 25,5% até 2026. A expectativa é que essa inovação tecnológica movimente cerca de US$ 4 bilhões nesse período.

Que país você cita como um exemplo a ser seguido no aspecto da Agricultura Digital e por quê?

Existem muitos ecossistemas pelo mundo que estão avançando na Agricultura Digital, como por exemplo a Europa, América do Norte e Ásia, porém o Brasil é um expoente na Agricultura Digital, principalmente alavancado pelo protagonismo que o país tem na produção de alimentos em nível global, possuindo uma agricultura tropical que possibilita duas ou mais safras por ano, mas que gera uma complexidade imensa para manejo de pragas e doenças, tendo clima muito heterogêneo, logística muito complexa, entre outros.