Enquanto a tecnologia avança para termos cidades inteligentes, agricultura e indústria 4.0, recursos de inteligência artificial e internet das coisas, grandes partes do Brasil vivem distantes dessa realidade. Esse contraste entre o desenvolvimento dos centros urbanos e o atraso digital de zonas remotas amplifica desigualdades sociais e econômicas.

Imagine as consequências para um país onde 8 mil escolas não têm conexão e cidades inteiras ainda esperam contar com algum tipo de cobertura de internet.

Em meio a esse contexto, milhares de quilômetros de cabos de fibra óptica submersos em rios e o leilão do 5G com contrapartidas para prioridades sociais, além de tecnologias emergentes como redes NTN (Non-Terrestrial Networks) e 5G FWA (Fixed Wireless Access), formam um cenário que contribui para a inclusão dessas zonas, beneficiando desde comunidades isoladas até vastas áreas de produção agrícola.

Mas a que ritmo essa inclusão está acontecendo? O que ainda é preciso fazer para possibilitar um avanço satisfatório da agricultura moderna, da cobertura rodoviária e da digitalização do ensino público?

Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), somente 15% do território brasileiro possui cobertura de algum tipo de rede, seja fixa ou móvel.

Nas áreas urbanas, que concentram 85% da população, 99,7% das pessoas têm cobertura de rede móvel. Este é um índice quase ideal, mas o problema está nas zonas rurais, onde 43% da população não têm acesso a sinal de rede móvel, totalizando 13,7 milhões de pessoas.

Quando falamos de municípios brasileiros com rede de fibra, 91% são contemplados. Ao todo, cerca de 5 mil municípios estão cobertos, preponderantemente nas regiões sul, sudeste e nordeste. O centro-oeste e, principalmente, o norte (onde se destacam dificuldades relacionadas a distâncias e meio ambiente), sempre tiveram menor cobertura.

O principal desafio de cobertura no país está muito concentrado em servir a área rural, mas nos centros urbanos e nas outras zonas com cobertura, ainda existem problemas de qualidade. Essa situação se explica ao comparar a infraestrutura brasileira com a de outros países, como comenta José Felipe Ruppenthal, conselheiro do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) e da Telco Advisors:

“Atualmente, o Brasil tem cerca de 100 mil estações rádio base, as estações que compartilham o sinal de rede móvel. Para melhorar a qualidade ainda do 4G, precisaríamos, pelo menos, triplicar esse número de estações. Por exemplo, se olharmos para o 5G, hoje, na cidade de São Paulo, temos cada estação cobrindo 500 m² aproximadamente. Se compararmos com Xangai, vemos que lá existe uma estação a cada 70 m². Seul tem uma estação cobrindo cada 50 m².”

Nos últimos anos, outros aspectos passaram a ser relevantes para a conectividade, aumentando os desafios para acompanhar o desenvolvimento tecnológico e digital, segundo Ruppenthal:

“Ainda continuamos tentando conectar as pessoas no Brasil, e é um grande desafio, mas o desafio para aquele futuro de monitorar o clima, as enchentes e a logística continua muito longe de ser resolvido. Durante muitos anos, analisamos o nosso progresso medindo a conectividade e a qualidade da rede para as pessoas, nunca para território ou para coisas. Sempre foi assim. Quando falávamos em inovação e tecnologia, era sobre o nosso celular, o nosso notebook, sobre onde estamos. Hoje, entra esse novo fator, esse futuro de sociedade conectada, de transformação industrial, cidades avançadas… É sobre coisas, e coisas estão em todo o território.”

Leilão do 5G, a principal iniciativa para preencher as lacunas de conectividade

O leilão do 5G, realizado em novembro de 2021, marcou um passo significativo para a modernização das telecomunicações no Brasil. Organizada pela Anatel, a iniciativa tem como objetivos principais ampliar a cobertura da internet de alta velocidade, melhorar a infraestrutura de rede e fomentar a inovação tecnológica.

Além de proporcionar maior eficiência e velocidade para os usuários, o leilão também visa promover a inclusão digital, obrigando as operadoras vencedoras a levar conectividade a áreas rurais e remotas, com contrapartidas contemplando escolas e rodovias desconectadas.

As prioridades estabelecidas pelo leilão fazem dele um exemplo no combate à desigualdade, segundo Fernando Soares, diretor de Regulação e Inovação do Conexis Brasil Digital, o sindicato nacional das empresas de telefonia e de serviço móvel, celular e pessoal:

“O leilão do 5G foi uma das mais importantes políticas de inclusão digital já feitas no Brasil. Ao renunciar a um leilão arrecadatório, o governo possibilitou que recursos que iriam para o Tesouro fossem direcionados para a expansão da conectividade, com a ativação de sinal de telefonia móvel em estradas e localidades ainda não atendidas e com a conexão de escolas públicas.”

Uma das metas impostas às empresas selecionadas é levar redes de fibra para 100% dos municípios brasileiros até 2026. Até 2021, 530 municípios (9%) não contavam com esse tipo de conexão.

“A expansão do 5G é um sucesso e prova o comprometimento das empresas. Nos últimos três anos – de 2021 a 2023 – o setor investiu R$ 116 bilhões, principalmente na ampliação da rede, incluindo a implementação e expansão da rede 5G. As prestadoras vencedoras de lotes no leilão do 5G têm cumprido e até mesmo antecipado as metas fixadas pela Anatel no leilão. Hoje, o 5G está presente em 538 cidades, muito além da meta prevista no edital para o período”, avalia Fernando Soares.

Brasil tem 8 mil escolas sem internet

As operadoras vencedoras do leilão são obrigadas a cumprir compromissos específicos de levar internet de alta velocidade a escolas públicas, especialmente em regiões rurais e remotas. Com esse objetivo, foi criado o projeto Aprender Conectado, que destinará R$ 3,1 bilhões para levar conectividade às escolas até 2026.

Até agora, o número de instituições de ensino (municipais, estaduais e federais) sem conexão passou de 14 mil para 8 mil, sendo 7 mil em áreas rurais.

Segundo os dados mais recentes da Anatel, a ausência de internet no ambiente escolar ainda afeta 404.904 alunos e 30.864 professores. Além disso, entre as 138 mil instituições públicas de ensino, 97.007 (70,3%) não possuem laboratórios de informática.

“Hoje, mais do que nunca, falar em inclusão digital é falar em inclusão social. E essa inclusão digital é imprescindível para a transformação educacional, que é essencial para a transformação econômica e social do Brasil”, comenta Fernando Soares.

Atualmente na fase 4, o projeto Aprender Conectado inclui as escolas situadas em comunidades indígenas, quilombolas e assentamentos, garantindo internet banda larga e rede Wi-Fi. A iniciativa também estabelece a implementação de conexão satelital para cerca de 20 mil escolas localizadas em regiões que não dispõem de infraestrutura de conectividade.

Em parceria com o Ministério de Minas e Energia, o plano prevê a disponibilização de geradores solares para as estruturas que não possuem acesso a energia elétrica da rede pública ou de fontes renováveis.

Nas rodovias, 35 mil quilômetros não têm sinal

O leilão também estabeleceu o compromisso de cobrir a malha rodoviária brasileira, um desafio que tem raízes históricas e dificuldades como questões ambientais e redes de energia nos locais.

Com sua economia dependente do transporte rodoviário, o país tem 122 mil quilômetros de rodovias federais, sendo que 35.784 quilômetros não têm qualquer tipo sinal e muitos trechos ainda contam somente com 2G ou 3G.

Como contrapartida, o leilão prevê a instalação de 4G em 2.349 trechos, contemplando os 35.784 quilômetros até 2029.

A Winity Telecom arrematou o lote que dava o direito de uso da faixa de 700 MHz em todo o território nacional e seria responsável pela cobertura nas estradas. No entanto, a empresa renunciou à licença, atrasando o cumprimento das metas em dois anos, segundo previsão da Anatel.

Para responder à desistência da Winity, foram definidas duas medidas: a outorga do espectro de 700 MHz a outra prestadora e a imediata disponibilização dessa faixa de radiofrequências para uso em caráter secundário.

A outorga do espectro arrematado anteriormente pela Winity para uma nova empresa deverá considerar a possibilidade de sua atribuição a alguma das proponentes que concorreram ao lote A1 do Leilão 5G. Se essa alternativa for inviável, o Conselho determinou a pronta realização de nova licitação.

Ainda é preciso mobilizar esforços para evoluir nesse aspecto, segundo Fernando Soares: “É preciso ter políticas públicas para universalizar o acesso aos serviços de telecomunicações, incluindo estradas e áreas remotas. Nesse sentido, o setor tem defendido, por exemplo, o uso de recursos dos fundos setoriais arrecadados pelas prestadoras, entre eles o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), para a execução de políticas públicas de conectividade e também a destinação de faixas de frequências mais direcionadas a esse tipo de cobertura, como a faixa de 600 MHz”.

Projeto Norte Conectado: 12 mil km de cabos submersos em rios

Um dos grandes desafios de conectividade no Brasil está no norte do país. A dificuldade de acesso a áreas remotas exige a criação de diversos tipos de iniciativas na região. A principal delas foi a criação do programa Norte Conectado, que visa expandir a infraestrutura de comunicações na região. Contando com recursos do leilão do 5G, o investimento total será de R$ 1,3 bilhão, beneficiando 10 milhões de pessoas em 59 municípios dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima.

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Cabo de fibra óptica chega a Manaus (Imagem: Divulgação/Anatel)

O projeto envolve uma série de ações para levar conectividade à internet para comunidades amazônicas, promovendo a inclusão digital, o desenvolvimento econômico e a comunicação em zonas isoladas, proporcionando benefícios em educação, saúde, segurança, turismo, trânsito.

A principal estratégia dessa iniciativa é a instalação de 12 mil quilômetros de cabos de fibra óptica submersos em rios, totalizando oito infovias compostas, cada uma, por 24 pares de fibra.

Essa técnica permite a distribuição de internet de alta velocidade em áreas que são inacessíveis por terra. Segundo o Ministério das Comunicações, cada par possui capacidade de até 20 terabytes por segundo, ou seja, pode transmitir simultaneamente o equivalente a 200 mil vídeos em alta definição.

“A tecnologia chegou nessa região compatibilizando infraestrutura com sustentabilidade”, declarou o ministro Juscelino Filho ao inaugurar a Infovia 01. “Estamos trazendo tecnologia para um dos maiores biomas do planeta através dessa e de mais sete infovias que já começaram a ser executadas em todos os estados da Região Norte do país. Ao promover o direito a essa inclusão digital, estamos fazendo inclusão social dessas pessoas. E dessa forma contribuímos para redução das desigualdades que são grandes e muitas em toda essa região. Desigualdades que também serão superadas com uso sustentável das riquezas da região”, completou.

Mapa das infovias de banda larga na Amazônia – Imagem: MCTI
Mapa das infovias de banda larga na Amazônia – Imagem: MCTI

Tecnologias emergentes, as alternativas para zonas remotas

Inovações tecnológicas recentes contribuem para oferecer conectividade em zonas onde a instalação de redes terrestres não é uma opção viável ou satisfatória. Nesse sentido, destacam-se as redes NTN (Non-Terrestrial Networks) e o 5G FWA (Fixed Wireless Access).

As redes NTN, ou redes não-terrestres, utilizam satélites e plataformas aéreas para oferecer conectividade à internet em áreas remotas e de difícil acesso. Essa é uma opção particularmente útil em um país de dimensões continentais como o Brasil, onde a infraestrutura terrestre muitas vezes não chega. Empresas privadas, como a OneWeb e a Amazon com seu projeto Kuiper, estão investindo pesadamente nessa tecnologia. As NTN são capazes de fornecer uma conexão robusta e de alta velocidade, essencial para a inclusão digital de comunidades isoladas, ajudando significativamente na redução da desigualdade no acesso à informação e a serviços online.

SpaceX satellite
Satélite do SpaceX em órbita – Getty Images

“No Brasil, por exemplo, a operadora tem sua rede terrestre e vai fazer um acordo com alguma operadora de satélite. Quando o usuário não tiver sinal, automaticamente vai se conectar com o satélite. A T-Mobile já tem um caso de aplicação acontecendo nos Estados Unidos, conectando com os satélites da SpaceX. Isso não é mais coisa para daqui a cinco anos, já está acontecendo”, explica José Felipe Ruppenthal.

O Starlink é um exemplo já conhecido de NTN. O projeto da SpaceX utiliza uma constelação de milhares de satélites de baixa órbita, distribuídos em altitudes que vão de 540 a 1.325 quilômetros, e oferece internet de alta velocidade em áreas rurais e remotas. Desde a sua aprovação pela Anatel para operar no Brasil, em 2022, essa opção tem facilitado o acesso em locais previamente desconectados, oferecendo baixo preço e alta qualidade a setores até então prejudicados pela falta de cobertura, especialmente o agronegócio. Com velocidades que podem atingir até 150 Mbps, essa tecnologia tem o potencial de revolucionar a conectividade em áreas isoladas, permitindo que moradores e empresas se integrem à economia digital global.

Por outro lado, o 5G FWA é uma tecnologia que utiliza a rede 5G para fornecer internet banda larga fixa sem a necessidade de cabos de fibra óptica. As principais operadoras de redes móveis já estão implementando essa tecnologia no Brasil. Trata-se de uma alternativa viável para áreas urbanas e suburbanas onde a infraestrutura de fibra é limitada ou inexistente. Com velocidades de conexão comparáveis às redes fixas tradicionais, essa tecnologia pode rapidamente aumentar a cobertura de internet de alta velocidade, facilitando o acesso a serviços digitais, como educação à distância e telemedicina, e impulsionando o desenvolvimento socioeconômico em diversas regiões.

“Também já podemos ver isso avançando nos Estados Unidos. Em vez de ter fibra em casa, você vai ter um aparelho um pouco maior que vai estar conectado em uma estação de rede móvel da operadora. O 5G FWA vai ocupar um espaço onde as operadoras não conseguem levar fibra. Não há disponibilidade de poste? Você está em um prédio que não tem mais como subir fibra? Nesses casos, podemos usar o 5G FWA”, afirma Ruppenthal.

Os entraves regulatórios que atrasam a conectividade

Criada em 2015, a Lei Geral das Antenas tinha como objetivo simplificar e harmonizar o processo de instalação de infraestrutura de telecomunicações, como torres e antenas, para melhorar a oferta de rede móvel em todo o país, mas atualmente os principais obstáculos para a ampliação da cobertura estão relacionados a ela.

Muitos municípios ainda não ajustaram suas legislações locais para estarem em conformidade com a lei federal. Isso gera insegurança jurídica e atrasa a instalação de novas infraestruturas.

“Um dos grandes desafios enfrentados hoje é a falta de atualização das leis de antenas pelos municípios, o que gera insegurança jurídica e regulatória para a instalação de infraestruturas de telecomunicações. O levantamento do Conecte 5G aponta que menos de 10% dos municípios brasileiros têm leis de antenas aderentes à legislação federal”, afirma Fernando Soares.

No mesmo sentido, Ruppenthal ressalta essas dificuldades: “Essa lei foi criada para tentar melhorar a cobertura de rede móvel em todo o país, mas também criou vários artifícios limitadores, como questões relacionadas a impacto ambiental e visual. Hoje, para implementar o 5G, é preciso colocar mais estações. E para colocar mais estações, dependemos de uma lei que está desatualizada, que muitas vezes não permite colocar mais estações. No Brasil, leis que são municipais dificultam o objetivo das operadoras de ampliar a cobertura de rede.”

Fernando Soares também destaca a necessidade de aplicar recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para políticas de conectividade: “Desde o ano passado, após mais de 20 anos da sua criação, recursos do fundo passaram a ser direcionados para a conectividade. É preciso ampliar a utilização dos valores arrecadados para o Fust em prol da ampliação do acesso à internet, principalmente em regiões mais remotas e carentes. A contribuição para o fundo deveria ser aplicada integralmente no aumento da conectividade de nossa sociedade, pois não devemos ter uma CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) que tenha seus recursos contingenciados, mas sim aplicados em sua finalidade.”

"Além disso, destacamos que ainda há muitas assimetrias regulatórias, principalmente com os grandes provedores de conteúdo digital, que oferecem serviços similares aos de telecomunicações, mas não estão sujeitos às mesmas obrigações regulatórias. Nesse ponto, uma discussão regulatória importante é o estabelecimento de uma remuneração pelas big techs pelo uso excessivo das redes de telecomunicações. Essas empresas são responsáveis por cerca de 80% do tráfego das redes móveis sem que contribuam para a sustentabilidade das redes de telecom", acrescenta Fernando.

No caso da rede fixa, a ampliação da infraestrutura também esbarra em questões burocráticas e de regulamentação. Ruppenthal destaca as limitações envolvendo o uso de postes e suas consequências:

“Quanto à rede fixa, temos o problema da ocupação dos postes, porque no Brasil a rede fixa é essencialmente construída de forma aérea. Essa regulamentação do uso de poste está muito desatualizada, não tem fiscalização e gera grandes efeitos nas operadoras. Um deles é que você não consegue ampliar sua rede, porque não consegue botar mais fibra no poste. Outro é a precificação, porque, em algumas regiões do Brasil, o custo de ocupar o poste é tão caro que não fecha a conta dos operadores.”

Neste mês, o Governo Federal publicou no Diário Oficial da União novas diretrizes que prometem transformar o uso de postes de energia elétrica e impulsionar a expansão das redes de telecomunicações no Brasil, com foco especial na instalação de cabos de fibra ótica. As novas regras estabelecem que as concessionárias de energia são obrigadas a ceder, mediante pagamento, seus postes para uma entidade exploradora de infraestrutura, que ficará responsável pela administração do uso desses espaços e pela negociação com as empresas de telecomunicações.