Ao mesmo tempo em que as águas desalojavam cerca de 600 mil pessoas e faziam centenas de vítimas, profissionais de Data Centers tiveram que reagir rapidamente para manter as operações e evitar o desligamento de serviços essenciais para a população gaúcha.

A tragédia climática de proporções jamais vistas no Brasil exigiu um poder de adaptação por parte das empresas do setor que também tiveram suas instalações atingidas pelas enchentes.

“O primeiro passo foi criar um grupo de trabalho com os principais executivos e líderes da empresa para poder acompanhar a situação e tomar as devidas decisões para conseguir colocar o plano de negócios em continuidade”, conta Wesley Barbosa, diretor de vendas na Elea Digital Data Centers.

Localizado no 4º Distrito, uma das regiões mais afetadas em Porto Alegre, o Data Center POA2 precisou ser desligado. Com isso, a empresa teve todas as operações enviadas à sua principal estrutura, que fica no bairro Bela Vista – uma zona alta da cidade – e concentra 80% da demanda da Elea na região.

No momento em que a chuva aumentou, comunicamos os clientes de POA2 que eles precisavam dar início ao plano de recuperação de desastres, para poder iniciar as mudanças e enviar equipamentos e operações para outras localidades. E colocamos à disposição o POA1 para que enviassem equipamentos e continuassem as operações. Isso foi possível porque temos essa plataforma de Data Centers interconectados e um plano de continuidade de negócios”, relata Wesley.

Além dos clientes de POA2, várias operações essenciais para o estado foram incorporadas pelo Data Center principal, como a Equatorial, empresa responsável pelo fornecimento de energia elétrica para 72 municípios do estado. O local também recebeu aplicações de hospitais, instituições bancárias, telecomunicações e da empresa de processamento de dados do Rio Grande do Sul, responsável pelos principais sistemas do estado e distribuição de recursos financeiros para os municípios.

“Tivemos um crescimento de demanda muito alto. Foi um grande trabalho de interconexão feito em dois ou três dias que equivaleu a um mês de trabalho ou mais”, acrescenta Wesley.

Paralelamente ao trabalho de manutenção das operações, funcionários se mobilizaram para auxiliar a população afetada pelo desastre, ajudando quem ficou sem abrigo e angariando doações, inclusive com disponibilização de botes para salvar famílias ilhadas.

Francisco Freitas, supervisor de data hall da Elea Digital Data Centers, esteve na linha de frente: “Pude colaborar no resgate e sou muito grato por isso. Em um dia, consegui salvar mais de 70 pessoas com o bote. No segundo dia, cerca de 30 ou 35. A oportunidade de ter salvado essas vidas me fez refletir profundamente. Cada história, cada pessoa, cada família que estava ali importava e importa. O que aprendi é que através da união tudo é possível”.

Outra empresa com dois Data Centers na região viveu uma situação semelhante. A Teccloud teve suas instalações do bairro Navegantes afetadas pela água.

“Na sexta-feira, dia 13 de maio, ainda por volta de 20h, a gente deu início a um trabalho de observação e comunicação, com contatos com os clientes a cada 30 minutos. O entorno do prédio estava preservado, mas a história mudou. Entre 23h e 3h, a água subiu 1,5 metro. Quando houve o desligamento da energia pela concessionária, iniciei a operação de desligamento dos nossos equipamentos de Porto Alegre”, relata Jader Costa, CEO da TecCloud Stefanini.

Devido à arquitetura do prédio, não houve danos em equipamentos de servidores e storages. No entanto, não havia fornecimento de energia no local nem uma possibilidade satisfatória para usar geradores.

A principal alternativa estava na outra unidade da empresa, localizada em Campo Bom, a 40 quilômetros da capital. A estrutura não foi afetada e serviu de suporte para parte dos clientes de Porto Alegre e para outras operações críticas que recorreram à Teccloud.

“Em sua maioria, nossos clientes têm redundância na nossa unidade de Campo Bom, que permaneceu 100% operante. Seguiram com as suas operações, salvo alguns detalhes que, como temos o nosso produto de nuvem privada, subimos um ou outro workload para atendê-los plenamente. Tivemos casos em que os clientes realizaram uma operação de retirada dos equipamentos de Porto Alegre, transporte para Campo Bom e restabelecimento dos serviços. Recebemos não só os nossos clientes, mas também novas operações que passaram por este mesmo processo. Infelizmente é impossível negar tivemos casos com impacto maior nas operações. Situações em que o cliente contava com a velocidade de conectividade ponta a ponta para o DC de Poa, por exemplo, e foi necessário manter a operação via internet com intermitência ou lentidão”, explica Jader Costa.

Somente após 30 dias de desligamento, a estrutura de Porto Alegre retomou suas atividades.

No caso da Elea Digital Data Centers, nestas semanas posteriores à tragédia, ainda está ocorrendo um processo de avaliação dos danos no POA2 antes de decidir o que será feito na estrutura.

O que a crise nos ensinou?

A experiência de uma crise imprevisível e de dimensões inéditas serve como aprendizado para possíveis casos semelhantes, não apenas para o Rio Grande do Sul. Com mudanças climáticas cada vez mais aceleradas e suas consequências ganhando intensidade, é preciso estar preparado para eventos inesperados.

“Na parte técnica, o aprendizado mais importante foi de reforçar o nosso modelo de negócios, pensando em continuidade e diversidade de locais para ter as aplicações de TI. Essas condições e mudanças climáticas vieram para ficar, então não podemos mais esperar que aconteça uma situação dessas para pensar o que vamos fazer. É preciso ter um plano para saber quais processos seguir, quais servidores desligar e quais pessoas acionar”, afirma Wesley Barbosa.

Soluções híbridas podem ser uma alternativa fundamental para enfrentar esse tipo de evento, segundo Wesley: “Algo importante hoje é a dispersão geográfica, estar fisicamente em locais diferentes. Mas a gente também não pode estar presente somente no mundo físico. Temos opções de soluções em cloud, e também não é ideal estar 100% na nuvem. Então, acreditamos nas soluções híbridas, colocando parte das aplicações nos Data Centers e parte em nuvens, sejam públicas ou privadas.”

“E é preciso olhar um pouco mais para o entorno, para essa parte de infraestrutura e resiliência, não só do Data Center em si, do prédio, de como as estruturas estão, mas para o entorno também. Como a geografia e como isso pode ser afetado em um eventual evento climático como esse. E a gente também tem que pensar na distribuição dos workloads dos clientes”, acrescenta Jader Costa.

O CEO da TecCloud Stefanini ainda ressalta a necessidade de contar com uma reação do poder público: “A gente precisa de uma resposta muito clara das autoridades, primeiramente, de qual vai ser o plano para Porto Alegre, para a proteção da cidade. Acredito que todos os empresários hoje estão aguardando isso, seja qual for o mercado ou o ramo de negócio, para que possam colocar qualquer tipo de investimento na região. E não estou falando só de infraestrutura, estou falando de pessoas. As famílias querem saber se podem voltar para onde moravam”.