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Glaucia Rosalen – Linkedin

Glaucia Rosalen, CFO da Microsoft no Brasil, trabalha no setor de tecnologia há 23 anos. Na Semana da Mulher, ela explica durante entrevista por que a diversidade de gênero é importante para a própria sobrevivência da indústria e quais estratégias devem ser implementadas pelas empresas.

Segundo Rosalen, o mercado de tecnologia ainda enfrenta muitos problemas de representatividade, é preciso empoderar as nossas meninas e mulheres para que acreditem nelas mesmas, acelerando as boas práticas com mais velocidade.

Confira!

Como tem sido ou como você descreveria a sua carreira em tecnologia?

Eu iniciei a minha carreira no mundo da tecnologia e, desde então, não mudei de indústria! Tive a oportunidade de desenvolver a minha experiência em diferentes áreas do setor, desde a manufatura de produtos, até a venda de serviços, o que me trouxe a possibilidade de explorar essa indústria sob os mais diferentes ângulos.

Comecei a minha carreira na IBM, mais especificamente na fábrica em Hortolândia. Depois de 11 anos, tive a oportunidade de assumir o primeiro cargo de Diretoria da minha carreira, na área de manufatura da Dell e, na sequência, fiz a migração para a Microsoft, onde tenho transitado por diferentes áreas dentro de Finanças pelos últimos 10 anos até assumir o cargo de CFO.

Me apaixonei pela indústria, por todas as mudanças que acompanhei de perto nos últimos 23 anos, todas as possibilidades que a tecnologia oferece atualmente e como isso empodera cada pessoa e empresa do planeta no sentido de produzirem e fazerem cada vez mais, com menos.

Converso bastante com muitos pares, colegas, com os meus mentorandos e pessoas das mais diversas profissões e sempre existe muito interesse na discussão do equilíbrio de vida pessoal e profissional ao longo da minha carreira. Quando penso e reflito sobre esse tema consigo visualizar claramente que sem tecnologia isso não seria possível.

Que iniciativas você acha que o setor tecnológico está promovendo para incluir mais mulheres no setor?

Acredito que o setor de tecnologia tem apresentado mais exemplos de mulheres na liderança e atuando em áreas técnicas para que essas referências inspirem outras mulheres e sirvam de incentivo para que as jovens busquem, desde cedo, explorar mais essa área como profissão. Sabemos que o ‘gap’ de mão de obra feminina no setor de tecnologia ainda é muito grande e uma das tarefas mais difíceis é romper os preconceitos, estigmas e vieses inconscientes que estão intrínsecos na nossa sociedade e que criam barreiras de gênero, dificultando que meninas e jovens vislumbrem uma carreira nas áreas mais técnicas.

Além disso, no caso da Microsoft, especificamente, temos promovido diversos cursos específicos para mulheres em tecnologia, para aumentar a representatividade feminina nessa área. Um exemplo é a plataforma digital MaisMulheres.Tech, lançada emparceira com a comunidade de tecnologia WoMakersCode, que oferece seis trilhas de capacitação gratuitas e online nas áreas de Computação em Nuvem, Infraestrutura, Segurança da Informação, DevOps, Desenvolvimento e Ciência de Dados e Inteligência Artificial.   A plataforma já registrou cerca de 48 mil mulheres que completaram, ao menos, uma das trilhas de capacitação. Outro exemplo é o programa #ElasNaIA, que capacita mulheres em fundamentos de Inteligência Artificial e nuvem.   Nós já realizamos quatro edições dessa iniciativa idealizada e liderada pelo grupo de colaboradoras da Microsoft e voluntários dos pilares de Diversidade e Inclusão da empresa – WAM (Women at Microsoft), e pretende contribuir para o desenvolvimento de carreira e aumentar as chances de empregabilidade de mulheres em tecnologia.   No total, o programa já capacitou 150 mulheres, sendo 87% de certificadas na prova AI-900.

Também temos um programa o Women Entrepreneurship (WE) de que me orgulho muito. Ele foi lançado pela Microsoft em novembro de 2019 e tem como proposta estimular o empreendedorismo feminino no país e que oferece mentorias e consultorias para o desenvolvimento das startups. A primeira grande iniciativa do WE partiu da Microsoft Participações que, em parceria com Sebrae Nacional e M8 Partners, e em associação com a Bertha Capital, estruturou o fundo WE Ventures, que tem como foco o investimento em startups lideradas por mulheres e que estejam no chamado estágio do “vale da morte”. Os aportes vão de R$ 1 milhão a R$ 5 milhões. O fundo pretende captar R$ 100 milhões em cinco anos, já tendo levantado R$ 65 milhões até o momento.

Para quem já está no mercado de trabalho, cursando a faculdade ou uma carreira técnica é preciso dar subsídios e apoio para que elas continuem. Criar um ambiente seguro, inclusivo e respeitoso. Desenvolver programa de aceleração de carreiras, mentorias e ter processos claros e igualitários de promoção e crescimento dentro das empresas. Mais do que uma questão social, atrair mais mulheres para o setor de tecnologia é importante para a própria sobrevivência do setor. Quanto mais diversidade temos na nossa força de trabalho, conseguimos entender melhor as necessidades dos nossos clientes, para poder trabalhar os nossos produtos de forma mais inclusiva, desenvolvendo soluções que atendam às necessidades de todos.

Ainda segundo dados da Brasscom, até 2025, o mercado vai demandar mais 797 mil talentos na área de tecnologia, como mais de 50% da população brasileira é feminina (segundo o último censo do IBGE), é matemático que para fechar essa conta do número de profissionais demandados para esse setor, precisamos incluir todo mundo, sem distinção de gênero.

Que medidas podem ser implementadas para aumentar a porcentagem de mulheres gerentes nas empresas do país?

A igualdade de gênero em cargos de liderança dentro das empresas é uma questão urgente em todos os setores da economia – disso depende a sobrevivência no longo prazo das companhias conforme mencionamos anteriormente. Sabemos que os índices de participação das minorias não vão ser alterados do dia para a noite. Isso pode levar um tempo, já que dependemos de mudanças sociais, de âmbito global e que nem sempre ocorrem no ritmo que desejamos. Por isso, acreditamos que para promover a diversidade, é necessário um esforço permanente e ações genuínas com políticas internas, principalmente de educação das altas lideranças em relação ao tema. A conscientização tem que vir de cima para baixo.

Na Microsoft, trabalhamos em duas frentes: atração (recrutamento) e retenção (desenvolvimento e oportunidades de carreira). Nós também oferecemos treinamentos para mostrar aos nossos funcionários a existência dos vieses inconscientes e como é preciso ter consciência deles para conseguir lutar contra e construirmos uma empresa de fato inclusiva. Desde 2016 a nossa empresa equiparou o salário de homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo. No Brasil, além de diversas iniciativas e parceria de capacitação exclusivas paras mulheres, temos como premissa que todos os processos de recrutamento devem contar com, pelo menos, uma mulher entre os candidatos finalistas. No final, será escolhido o candidato que se mostrar mais preparado para assumir a vaga, mas essa iniciativa garante que exista um olhar mais cuidadoso em relação às mulheres e a ampliação do ingresso delas nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, já que, culturalmente, elas não são incentivadas a seguirem carreiras nesses segmentos.

Outro ponto importante é entender o papel da liderança nesse processo. Os líderes devem agir como aliados deste tema, provocar e incentivar que as ações de igualdade saiam do papel e sejam realmente concretizadas. É fundamental ter um olhar crítico para, não apenas recrutar times mais diversos, como também para criar um ambiente no qual as pessoas se sintam à vontade de ser quem elas realmente são – o que chamamos de “Come as you are”. Precisamos, enquanto lideranças, ser intencionais nas nossas ações e praticar no nosso dia a dia as mudanças que queremos ver, “walk the talk”, como dizemos em inglês.

Como você analisa a participação das mulheres em posições de liderança na indústria do Data Center?

O mercado de tecnologia como um todo carece de mais mulheres atuando, ainda mais em cargos de liderança. O último dado do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que olhamos mostrou que apenas 13,3% das matrículas nos cursos presenciais de graduação na área de Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação são de mulheres, isso acaba se refletindo no mercado de trabalho. Não tem a ver com competência, ou a falsa ideia de que existem aptidões naturais de cada gênero.

Existem fatores socioculturais que fazem com que as mulheres acreditem que precisam trabalhar 10 vezes mais que os homens para ser percebida, isso é um preconceito que temos conosco. A síndrome da impostora é muito comum e impede que muitas mulheres busquem o próprio crescimento na carreira. Ainda existe uma sobrecarga muito grande na carreira da mulher, a maioria de nós exerce dupla jornada, em casa e no escritório. E por isso, infelizmente, ainda é muito comum que as mulheres abandonem ou tranquem os seus cursos na faculdade, façam pausas na carreira, porque se veem obrigadas a escolher entre trabalho e a criação dos filhos.

Na Microsoft trabalhamos para criar um ambiente inclusivo e seguro, pois entendemos que as pessoas só conseguem dar o seu melhor quando se sentem bem e têm a certeza de que o bem-estar da sua família também está garantido. Temos muito orgulho em ver cada vez mais mulheres ocupando posições de liderança, atuando numa indústria que historicamente é mais masculina. No time de liderança da Microsoft Brasil já temos uma composição 50/50, mas sei que ainda precisamos de mais mulheres no quadro geral da empresa, principalmente na área técnica.

Temos um modelo flexível de trabalho, benefícios de plano de saúde extensivos a família e oferecemos programas de mentoria específicos para mulheres, para apoiar no desenvolvimento de carreira das nossas executivas. Para as que acabaram de ser mães, tem a licença maternidade de seis meses mais as férias, além de sala de amamentação e auxílio-creche. Mais do que atrair mais mulheres para o setor, precisamos reter e desenvolver esses talentos.

Por que há poucas mulheres no setor de Data Center?

Como mencionei, o mercado de tecnologia ainda enfrenta muitos problemas de representatividade e esta é uma questão que vem desde a base, é preciso capacitar e impulsionar talentos femininos, mas precisamos também incentivar que mais mulheres jovens busquem essas carreiras tida como masculinas. Precisamos quebrar este estigma de profissão de homem e de mulher, porque trabalho não tem gênero. Tem vários estudos que mostram que, por volta dos sete e oito anos, meninos e meninas acreditam que podem tudo. Quando você faz a mesma pesquisa para crianças na faixa de dez a doze anos, as meninas já têm uma baixa autoestima e acreditam menos nelas mesmas se comparadas aos meninos na mesma faixa etária.

O segundo aspecto é que a mulher entrou no mercado de trabalho muito recentemente. E você vê que quem está no comando são homens, brancos e com o mesmo padrão de educação. É muito comum a gente se cercar de iguais. Quem contrata é o homem, quem promove é o homem. O tema diversidade vem recebendo destaque há pouco mais de dez anos. A percepção da importância da diversidade como imperativo de negócios é muito recente. Só agora o homem está percebendo que se ele não trouxer mais mulheres, mais negros e pessoas com deficiência, está limitando a capacidade criativa da empresa e de entender certos públicos que são seus consumidores. A percepção está melhorando, o que é importante, mas como eu disse é uma jornada.

Eu penso que ainda temos um longo caminho a percorrer na equidade de gênero, principalmente nas carreiras tidas tradicionalmente como masculinas. A realidade é que o mundo corporativo é masculino e nós precisamos, em primeiro lugar, empoderar as nossas meninas e mulheres para que acreditem nelas mesmas, independentemente do segmento em que pensem em atuar. Nós devemos ter pressa para mudar essa realidade, mesmo com todos os esforços, ainda vamos levar décadas para alcançarmos a equidade de gênero no ambiente de trabalho. Precisamos acelerar, multiplicando as boas práticas com mais velocidade.

Como líder e mulher, também tenho um papel: a sororidade. Acredito que nós, mulheres em postos mais altos, precisamos tirar outras mulheres da invisibilidade. É preciso provocar e despertar a ambição de todas e incentivar que elas se sintam confortáveis em optar pela carreira profissional que tenham mais afinidade, não deixando que nenhuma pedra colocada no caminho se torne uma barreira intransponível.